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Apresentação do novo livro de António Monteiro Cardoso na Fundação Mário Soares

Outubro 29, 2007

Daniel Lopes

Quinta-feira, dia 18 de Outubro de 2007. Antes da hora marcada para o início da apresentação do novo livro de António Monteiro Cardoso, “Timor na 2ª Guerra Mundial: O Diário do Tenente Pires”, já se aglomerava um grupo de pessoas à porta da Fundação Mário Soares, em Lisboa.

Importa salientar que o autor da obra já exerceu o cargo de chefe de gabinete do secretário de Estado da Comunicação Social. É autor do romance “Boas Fadas que Te Fadem” e de obras de investigação no domínio da História e da Comunicação, bem como Doutorando em História Contemporânea pelo ISCTE (Instituto de Ciências Sociais do Trabalho e da Empresa). Monteiro Cardoso lecciona também a cadeira de Direito da Comunicação Social na Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa.

Chegada a hora (18 horas), o auditório José Gomes Mota estava cheio, não havendo lugares sentados suficientes para todos aqueles que vieram assistir a esta apresentação.

Nas filas da frente encontravam-se os pais de António Monteiro Cardoso, um deportado deste período com 95 anos de idade, bem como os embaixadores de Timor e da Austrália.

A abertura desta conferência deveu-se a Mário Soares, antigo presidente da república e ex-primeiro-ministro, não fosse esta iniciativa realizada no espaço da sua Fundação.

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Soares enfatizou a ligação que mantém (através da sua Fundação) com Timor, agradecendo a todos aqueles que financiaram este livro (dos quais destacou a Fundação Oriente, o IPAD – Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento – e a FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia).

Considerou este livro como sendo essencialmente “um diário, um documento pessoal e até íntimo”. Acima de tudo, “um ponto de partida para um excelente estudo”, onde está em causa o episódio do expansionismo japonês, “muito violento e sanguinário”.

Ao longo da sua exposição, Mário Soares vai contando várias passagens de acontecimentos relatados no livro, considerando-o “um estudo muito bem escrito, aliciante, fácil de ler, mas difícil de escrever.”

Coube posteriormente ao historiador, professor e político Medeiros Ferreira a oportunidade de tomar a palavra. Começou com uma introdução humorística (uma comparação entre o não uso de gravata por parte de Monteiro Cardoso e o uso da mesma por Mário Soares), tendo em vista uma maior adesão da audiência ao seu discurso.

Desta forma, salientou a existência de dois erros por defeito no título do livro (“Timor na 2ª Guerra Mundial: O Diário do Tenente Pires”). Em primeiro lugar, para Medeiros Ferreira “a primeira parte do livro é muito mais do que a história de Timor na II Guerra Mundial”. O segundo erro apontado pelo historiador deve-se ao facto de “a segunda parte do livro [o diário do Tenente Pires] pecar pela ‘palidez’; este não é o diário, nem o drama do diário do Tenente Pires”. Apesar disso, Medeiros Ferreira considera o Tenente Pires como “uma figura espantosa; alguém que se defronta com escolhas, mantendo a sua consciência e a sua coerência”.

O livro é, segundo Medeiros Ferreira, constituído por duas partes distintas: uma primeira da “autoria de Monteiro Cardoso. É uma obra universitária, pelo rigor da análise, pelo aparelho bibliográfico, estando isento do lado barroco académico.” Considera também que esta obra peca por “ter 35 anos de atraso”. “Mas a culpa não é do autor”, frisa Medeiros Ferreira, aludindo ao regime ditatorial que governou Portugal no período do Estado Novo e à fraca existência (ou censura) de fontes

Continuando a análise desta que considera ser a primeira parte do livro, Medeiros Ferreira refere ainda que esta obra “dá o enquadramento da repressão dos timorenses no período dramático [invasão nipónica] entre 1941-44”. “Este livro remete para um dos períodos mais sacralizados da História contemporânea de Portugal: a neutralidade do Estado Novo”. Uma neutralidade colaborante, ou seja, “o conceito para Salazar justificar o facto de a guerra ter acabado: a Inglaterra venceu, isto é, nós ganhámos”, referiu Medeiros Ferreira, numa tentativa de ironizar esta dependência salazarista e a política externa portuguesa em relação à Inglaterra.

Medeiros Ferreira referiu ainda o facto de este livro ter um belo aparelho final”, salientando ainda que “as notas pé-de-página [presentes na obra] requereram um trabalho de verificação e de comparação”. Elogiou também a questão de o autor do livro ter contraposto a documentação portuguesa existente com a documentação estrangeira, nomeadamente australiana.

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Durante a sua longa exposição (entre todos os intervenientes nesta apresentação foi aquela que mais demorou), este historiador, político e professor considerou a segunda parte do livro (não esquecer de que Medeiros Ferreira divide este livro em duas partes) como “o diário, a correspondência do Tenente Pires”. Mas quem era o Tenente Pires? “Não era um deportado, era um republicano, um colonial português”, porém tornando-se posteriormente um deportado entre a Austrália e Timor, devido à invasão japonesa deste último território. Assim, e terminado a sua intervenção, “Timor na 2ª Guerra Mundial: O Diário do Tenente Pires” é “um excelente livro, capaz de proporcionar um momento de reflexão política e pessoal para todos”.

Luís Cardoso é um escritor timorense, que teve igualmente a oportunidade de fazer parte dos convidados para a apresentação desta obra.

Desta forma, leu um texto de sua autoria a partir de uma frase extraída do livro em apresentação: “Caramba, Manuel, como esperas conseguir esconder tanta gente?”, narrando alguns dos acontecimentos (alguns marcantes) ocorridos durante a ocupação nipónica de Timor, “uma ocupação marcada pela opressão aos timorenses.”

Por fim, coube ao autor do livro pronunciar algumas palavras. Monteiro Cardoso elogiou o povo timorense, dirigindo assim o seu olhar para o embaixador deste país, sentado na primeira fila. Referiu-se à Austrália (igualmente presente através da figura do seu embaixador) como tendo realizado “um combate corajoso, conjuntamente com os portugueses e timorenses, na luta da grande resistência do povo timorense.”

Salientou ainda os riscos que alguns dos presentes passaram durante este período, aproveitando esta ocasião para admitir que nunca tinha estado em Timor, apesar de ter referido vários lugares e património deste país com alguma precisão durante o seu discurso.

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Enfatizou também o facto de os crimes cometidos durante a ocupação nipónica se deverem “à força militar deste país e não ao povo japonês”. Frisou ainda que tentou cruzar vários ‘olhares’ (tanto do Japão, como da Austrália e de Portugal) no seu livro, “contactando com testemunhos e documentação diversa.”

Aproveitou igualmente para desvendar um pouco da história desta sua mais recente obra. Em suma, o tema central é a ocupação Japonesa do território de Timor. O livro contraria (ou tenta, pelo menos) a tendência de seguir os arquivos de Salazar para contar a História relativa a este período (aqui está uma das explicações pelas quais Monteiro Cardoso optou por recorrer a fontes muito diversas). O livro associa as perspectivas macro e micro, ao utilizar como fonte principal o diário do Tenente Pires, que, quando é levado para a Austrália, sente o imperativo de regressar a Timor e de resistir ao invasor brutal e sanguinário, junto com o povo Timorense e as tropas australianas enviadas para o território. Um dia, em desespero de causa, o Tenente Pires escreve uma carta a Salazar pedindo que auxilie o povo timorense. Porém, Salazar entende e exige que os oficiais portugueses têm de reconquistar aos japoneses os seus postos.

Quanto ao paradeiro do Tenente Pires, Monteiro Cardoso referiu que “pouco se sabe após o momento em que foi preso”.

No final da apresentação, houve quem aproveitasse a oportunidade para comprar este livro, que, segundo dados da editora (o Centro de Estudos de História Contemporânea Portuguesa do ISCTE e da Fundação Mário Soares), teve a sua primeira edição quase esgotada.